(...). A Constituição Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, capítulo VIII, no-la apresenta como o modelo acabado da obra de Jesus na Igreja: “Em vista dos méritos de seu Filho, foi remida de maneira sublime, unida a Ele por um vínculo estreito e indissolúvel e chamada ao papel e à dignidade suprema de Mãe do Filho de Deus. Em virtude desse dom insigne da graça, portanto, é filha predileta do Pai e sacrário do Espírito Santo, colocada muito acima de todas as outras criaturas, terrestres e celestes” (n°53).
Maria é aquela que está mais próxima de Deus, porém a uma distância infinita, pois é simples criatura, mesmo enriquecida com os maiores favores. Por isso, está, também, muito próxima de nós, “como Mãe amantíssima [...], membro eminente e especialíssimo da Igreja, assim como seu exemplo magnífico e modelar de fé e de amor” (nº53).
Refletir sobre Maria nos remete ao plano eterno de Deus. Nele estava prevista a Encarnação do Filho, mesmo se não houvesse ocorrido o pecado. A Sagrada Escritura nos apresenta Eva como aquela que sucumbiu à tentação e levou Adão a pecar (cf. Gn 3), tornando-se a mãe da humanidade decaída. Deus, no entanto, quis “salvar o que estava perdido” (Lc 19,10), a partir da colaboração do próprio ser humano nessa obra, acolhendo a vinda do Filho, para nos merecer o perdão, através de Maria Santíssima.
Assim, Ele prepara uma nova Eva, precursora da humanidade redimida, para ser a Mãe do Cristo Senhor. Os méritos da Redenção lhe foram aplicados previamente, de modo que, em nenhum momento, o pecado dominasse sobre aquela que iria cooperar, estreitamente, com a missão do Filho, no momento histórico, determinado pelo Pai.
Dizendo “sim” ao desígnio divino, Maria foi constituída modelo do que Jesus iria realizar nos homens que se deixassem escolher, conduzir, e redimir. Uma espécie de “amostragem” do poder da graça divina. Por isso nós a honramos, não por sua própria grandeza, mas por se fazer capacidade receptiva ao agir de Deus: “Porque olhou para sua pobre serva e realizou em mim maravilhas Aquele que é poderoso e cujo nome é Santo” (Lc 1,48a.49).
Como era Maria de Nazaré? Fazemos algumas conjecturas, pois os textos evangélicos são muito sóbrios, a respeito dela. Entretanto, sua própria santidade nos leva a deduzir algumas de suas inúmeras virtudes. A primeira delas é a simplicidade. Há uma certa piedade mariana que coloca Nossa Senhora tão distante de nós, que sentimos até medo de nos achegarmos a ela, como se o brilho de sua pureza ofuscasse a nossa palidez. Isto não corresponde nem à figura, nem à missão de Maria. Ela vivia a simplicidade dos que são desapegados, dos pobres em espírito. Estes eram os anawin da Antiga Aliança, povo simples, mas confiante em Deus, totalmente entregue a Ele.
Maria era uma jovem muito instruída nas Sagradas Escrituras, porque o Espírito Santo plenificou-a com sua presença, desde que ela foi concebida. Isto nós comprovamos pelo Magnificat, a oração de agradecimento que ela proclama, inspirada no Cântico de Ana (cf. 1Sm 2,1-10), por ocasião de sua visita a Isabel (cf. Lc 1,46-55).
Como jovem judia, ela pretendia, evidentemente, constituir uma família. Daí porque já a encontramos noiva de José, quando sua história é narrada nos Evangelhos de São Lucas e de São Mateus (cf. Lc 1-2 e Mt 1-2). Seu casamento com José, porém, foi diferente, no sentido de que nunca houve relacionamento conjugal. O dom do amor de Deus foi tão pleno naquelas vidas, que isto não se fez necessário. “O poder do Altíssimo a envolveu com a sua sombra”, fecundando a jovem Virgem, sem intervenção humana.
Maria e José se uniram pelo ideal de devotarem suas vidas ao Menino Jesus. A Sagrada Família foi o berço mais sublime possível para criar o Filho de Deus. Os pais de Jesus velaram para que Ele “crescesse em estatura, em sabedoria e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52). José era o terno pai adotivo, protetor e defensor da família e trabalhador modelar. Maria, Mãe por excelência, também foi dona de casa exemplar e, sobretudo, educadora perfeita.
A Maternidade Divina foi sua grande honra, fonte de todos os privilégios com os quais Deus a adornou. Toda santa e toda pura, legou ao Filho sua herança genética, desde o timbre da voz e a semelhança fisionômica, até as qualidades tipicamente humanas de Jesus. A união entre ambos era admirável, a tal ponto que, ouvindo Jesus falar, alguém exclamou: “Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram!” (Lc 11,27). Nenhum cristão pode deixar de honrar a Mãe de Jesus porque, afinal, o que nós honramos nela, estamos atribuindo ao seu Filho, Autor e Fonte de toda a graça, além de sua cooperação pessoal.
Mas não pensemos que a vida de Maria foi cercada de milagres e consolações. É mais próprio da pedagogia divina conduzir o ser humano através do crescimento na fé. Com a Mãe de Jesus não foi diferente. Ela teve que passar por muitas provações, acompanhando o Filho no cumprimento de sua missão: a falta de um lugar apropriado para dá-lo à luz (Lc 2,1-7); a profecia de Simeão, a respeito da espada que lhe transpassaria a alma (cf. Lc 2,34-35); o exílio no Egito, para fugir do extermínio ordenado por Herodes (cf. Mt 2,13ss); a perda de Jesus no templo (cf. Lc 2,41-51). Finalmente, a Paixão e Morte do Filho amado (cf. Jo 18-19 e paralelos Sinóticos).
Evidentemente, ela teve a alegria da Ressurreição, que já aguardava na fé, mediante a palavra do Filho, o convívio que tivera com Ele, e a iluminação do Espírito Santo. Ao final de sua vida, Jesus veio buscá-la, para glorificá-la, em corpo e alma, na eternidade. Agora está nos céus, coroada Rainha, e intercede por nós, junto a Jesus, desdobrando sobre toda a humanidade o seu amor de Mãe.
Sobre ela, o Papa Paulo VI escreveu, na Exortação Apostólica Marialis Cultus – “Culto Mariano” (1974), este texto, pungentemente atual: “Para o homem contemporâneo, - não raro atormentado entre a angústia e a esperança, prostrado mesmo pela sensação das próprias limitações e assaltado por aspirações sem limites, perturbado na mente e dividido em seu coração, com o espírito suspenso perante o enigma da morte, oprimido pela solidão e, simultaneamente, a tender para a comunhão, presa da náusea e do tédio, a bem-aventurada Virgem Maria, contemplada no enquadramento das vicissitudes evangélicas em que interveio e na realidade que já alcançou na Cidade de Deus, proporciona-lhe uma visão serenadora e uma palavra tranqüilizante: a da vitória da esperança sobre a angústia, da comunhão sobre a solidão, da paz sobre a perturbação, da alegria e da beleza sobre o tédio e a náusea, das perspectivas eternas sobre as temporais e, enfim, da vida sobre a morte” (n°57).
CARDEAL D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID
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