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terça-feira, 7 de setembro de 2010

Para quem está entre os 35 e 55 anos

Vale a pena ler essa maravilhosa reflexão sobre a meia idade, por frei Almir Guimarães:

A METADE DA VIDA: Em torno dos cinquenta anos de existência

"Esta é a idade em que chegamos a ser o que somos"
(Charles Péguy)

1. (...) Não dá para adotar critérios rígidos quanto à maneira de dividir as fases da vida. Cada pessoa é cada pessoa. Há idosos cheios de projetos que não “entregam os pontos” e jovens que circulam pesadamente pela vida e perambulam cansados nos espaços de nossas casas. O que se pode dizer é que a meia-idade é um período menos abrupto, com não tantas surpresas, em que as coisas acontecem com certa previsibilidade. Pensamos neste particular, de modo especial, entre os 35-55 anos. Antes é ainda a idade adulta jovem e depois começa o tempo das colheitas. Nesses 35-55, a pessoa teria atingido o ápice da vida, ou retomando Péguy, “chegamos a ser o que somos”. Ficou para trás o tempo em que nos preparávamos para a vida. Pode-se dizer que, nesse período, uma pessoa chegou a construir sua identidade. Com maior ou menor facilidade conquistou satisfatória autonomia, sabe o que significa amar, consegue ser alguém de partilha, tem consciência de como está se realizando como pessoa. Sabe onde pisa e para onde quer ir. Não vive às tontas e ao léu. Começa, no final deste período, no entanto, a sentir sintomas de cansaço. Chegou ao meio da vida. Haveria uma primeira metade antes dos cinquenta e a segunda, depois.

2. Aqui, consideramos o meio-dia da vida como um momento de passagem. Deixamos de lado outras considerações. Neste período, a pessoa se encontra num ciclo de vida sem maiores problemas. Em termos: sabemos que há crises doídas e doloridas que já examinamos em nossa reflexão anterior. Mas vale a pena salientar os aspectos positivos. Este é o tempo dos executivos, dos que assumem grandes responsabilidades, dos que têm em mãos os elementos para construir um casamento sólido, educar os filhos já quase deixando o ninho ou viver em plenitude sua consagração de vida religiosa, em nosso caso na vida franciscana. Muitos provinciais, chefes de entidades, guardiães situam-se nesta faixa etária. Podemos acrescentar mais algumas notas positivas de quem vive nesta “estação da vida”: são pessoas capazes de dar e de receber, sabem cuidar de si mesmas de maneira mais ou menos independente, relacionam-se com os demais com facilidade, caminham pela vida com projeto vital e sólido que elaboraram anteriormente e continuam a atualizar; são pessoas compromissadas com o que fazem a partir de convicções íntimas, sentem-se interiormente unificadas e colocam suas vidas nas mãos de Deus. Espera-se que tenham resolvido satisfatoriamente a questão afetiva e adquirido a convicção profunda de que vale a pena ser religioso, em nosso caso, ter abraçado o caminho franciscano.
Há um convite a que vivamos dos 50 em diante com maior profundidade e densidade humanas.
Muitos hoje chegam às beiras do centenário! Uma primeira grande metade já se foi...

3. Nessa época se fala de um sigiloso processo de envelhecimento. “As rugas são rugas; para alguns representam a perda da beleza, do atrativo e da potência sexual: para outros são os galardões conseguidos na dura empreitada da vida. Um rosto enrugado é um rosto firme, estável, seguro. As rugas são os leitos secos das lágrimas da vida. Constituem as lembranças saudosas de um milhão de risos. As rugas são fendas e alças do semblante liso da vida, nas quais alguém pode apoiar-se e encontrar consolo e segurança” (Daily Mail, 10 de janeiro de 1961).

4. Na metade da vida, um pouco depois do meio de verdade, as pessoas lamentam não terem a mesma agilidade, vitalidade e beleza. Aparecem alguns achaques. É o sigiloso processo do envelhecimento. Há uma desaceleração da velocidade do sistema nervoso. Não estamos na terceira idade. Há, no entanto, sintomas que apontam para um enfraquecimento. As pessoas lêem, trabalham, caminham mais devagar. As faltas de atenção com o corpo, o estresse podem acelerar esse sigiloso processo de envelhecimento. Insistimos na expressão. Prestaremos mais atenção à saúde. Mas atenção, sem neuroses.

5. Vamos nos dando conta de nossas limitações. Nos primeiros anos de vida, embora tenhamos errado, nossa cegueira, feita de uma mescla de egocentrismo, onipotência e imaturidade nos impediu de conhecer nossas limitações. Com o tempo, pouco a pouco, vamos reconhecendo tais limites, parecidos com os limites dos outros. Somos mais compreensivos e menos intransigentes. Consciência de fragilidade, no período entre 50 e 60, mas alguém que caminha ainda com enorme vitalidade. Trava-se um diálogo com a finitude. Este período pede que sejamos realistas lembrando-nos do muito que recebemos. Temos que aprender a integrar contradições e polaridades: gestos carinhosos de um lado e, de outro, alguns frios; capazes do melhor e do pior, combinação de autoengano com maravilhosos “cremes” anti-rugas, anti-velhice e de saber acompanhar o pai que está se despedindo da vida, maturidade e reações imaturas; liderar no trabalho e sentir-se superado por um filho adolescente, não ter resistência diante do estresse e ao mesmo tempo se ocupar de um companheiro de trabalho que vive dor e sofrimento. Os cremes e as plásticas não resolvem...

6. Entrar no coração da realidade, acolher contradições e complexidades, assumir perdas feitas de rupturas, fracassos e despedidas nos preparam para o último momento do tempo, ou seja, a morte. Vamos aprendendo a conviver com um corpo mais desgastado e a aceitar renúncias. Tentamos unificar o coração. A perda dos entes queridos é uma das experiências mais dolorosas que nos colocam diante de nossa finitude. Desde a infância, a morte convive conosco: um passarinho que encontramos morto no parque, a morte do avô de um amiguinho, de nossos avós ou tios... Mais do que isso, há a perda de nossos pais, de um irmão mais novo, de um filho pequeno ou jovem. No meio dia da vida, mais para o fim da etapa, nessas ocasiões sentimos um vazio que nos gela interiormente. Mas vivemos estas perdas de maneira diferente no meio da vida. Sentimos que uma parte de nós mesmos se torna órfã, desarraigada, vulnerável. Há uma sensação de que a vida nunca mais será igual. Não ficamos deprimidos, mas vivemos a experiência da caducidade. Tudo passa... Como gostava de dizer o Eclesiastes. Que brilho daremos à nossa vida franciscana? Como nos situamos diante do voto de obediência, que nos tira de atividades que pareciam fazer parte de nosso eu? E essa sensação de fracasso que, por vezes, toma conta de nós?

7. “De repente, dei-me conta que estava com 45 anos. Era o momento de sopesar as esperanças da juventude com as aquisições da maturidade. Tinha a impressão de já ter feito tudo o que era preciso fazer. Sentado em meu escritório, no dia em que completava 45 anos, fiz a mim mesmo a menos original das perguntas que alguém pode fazer a si mesmo: Onde tudo foi parar? O que vivi?” (Trevanian, El verano de Katya). Parece que, na primeira metade da vida, alguém olha para trás, examinando os anos vividos. Na segunda metade, olharmos para aquilo que ainda nos resta.

8. Nem sempre, com o avançar da idade, sabemos responder às perguntas novas que a vida vai fazendo. A solução para resolver crises da meia idade não aparece espontaneamente. Tudo dependerá da maneira como vivemos nossa primeira formação e toda a nossa vivência na primavera da vida. Há os que superam a dita crise do meio-dia da vida sem problemas, o “demônio do meio-dia”. Há os que viajam no trem da onipotência e da auto-suficiência. Estes têm dificuldade em ouvir os avisos de seu cansaço ou das próprias insatisfações e dos que os cercam. Com “medo de morrer”, de “saírem da vitrine”, pisam no acelerador. Há os que “empurraram” a vida até aquele momento, que jogaram para debaixo do tapete problemas e questionamentos. Esses e outros, quem sabe, podem ter a tentação de se fecharem em si mesmos, vivendo como rivais dos jovens que lembram o que eles já foram e não se aproximarão muitos daqueles da terceira idade porque são um retrato vivo daquilo que poderão vir a ser no futuro.

9. Uns continuarão a viver como se tivessem vinte anos, outros vão se afastar do grupo e da vida num momento em que mais precisariam de contatos. Outros ainda tentarão contornar o incontornável com cremes muito caros, por uma obsessão ecológica no tocante à alimentação, uma sólida conta bancária, um grande reconhecimento público. Não será salutar pensar que meu valor como pessoa dependa de estar à altura das expectativas alheias (beleza, atrativo físico, juventude, status, notoriedade, grandes êxitos na vida profissional, ser imprescindível para a comunidade, a paróquia, a província). Se assim acontecer, não terei liberdade interior para fazer de minha vida aquilo que eu quero e não o que os outros querem.

10. Para viver bem a segunda metade da vida será importante que nos perguntemos: onde colocamos nosso coração no tempo que foi passando? Pessoas de bom senso saberão organizar sua vida depois dos 50 ou 60 com sabedoria. Sim, onde colocamos o nosso coração? Jung dizia: “Não podemos viver o outono da vida seguindo o esquema da primavera”. Os segundos quarenta ou cinqüenta anos não podem ser uma simples variante dos primeiros quarenta ou cinqüenta. Sempre retomando Jung, a primeira metade da vida é um momento de expansão, de construir nossa identidade e sermos autônomos, de fortalecer nosso eu e começar a sentir o que está descosturado. Quando aterrissamos aos cinquenta... nosso ser pede uma mudança de orientação, um tempo de recolhimento, de estar com nós mesmos para reler nossa história, colocá-la em seu devido lugar, e com menos bagagem, atravessar a segunda metade, com realismo, com novos horizontes de sentido, dando consistência aos nossos dias. Não é isto formação permanente?

11. Algumas propostas:
● Tempo de busca de nosso próprio espaço. Ao longo do tempo da vida, normal que busquemos nosso espaço, sem egoísmos doentios. Normal que, na metade da vida, procuremos ver claramente que espaço ocupamos no plano de Deus, no seio da opção que fizemos. Importante entrar em contato com o coração, alimentar a fidelidade ao que somos, cremos e amamos.
● Tempo de conhecermo-nos com maior realismo e profundidade. Nesta altura da vida já passamos pelo crivo da realidade. Temos que continuar, e com lucidez, aquilo que abraçamos, capazes de descobrir outras dimensões de nossa personalidade que podem ainda ser desenvolvidas.
● Tempo para rever a própria história e fazer um balanço. Gostando ou não, o encontro com a finitude nos leva a questionar os fundamentos sobre os quais edificamos nossa vida. O que anda nos enchendo de sentido e nos ajuda a viver? Que projetos continuam ligados ao nosso coração e quais os que se tornaram caducos?
● Um tempo para reajustar, reorientar, optar, renunciar e despertar. Nos diferentes campos da vida há pessoas que, por exemplo, mudam de profissão. Nos albores da segunda metade da vida estaremos sintonizados com aquilo que nos anima a viver. O que a Província tem a nos dizer nesta fase da vida?
● No meio da vida será possível ainda integrar nossas contradições. Damo-nos conta que somos capazes de gestos generosos e de posturas mesquinhas, que atingimos as estrelas e chafurdamo-nos na lama. Nessa altura da vida será fundamental integrar as contradições. Nesta idade há sensibilidades e posturas. As pessoas podem ser carinhosas ou gélidas, irritar-nos com as pessoas que passam, estarmos cheios de motivação ou desmotivados. Será importante assumir suas contradições e nunca negá-las.
● Tempo para assumir nossas feridas e poder perdoar-nos. Viver dói, amar costuma doer e a dor dói. Há pessoas que foram muito feridas ao longo da vida e foram se tornando insensíveis. Importante, no meio da vida, que abandonemos os ressentimentos e as feridas que precisam cicatrizar. É hora de perdoarmo-nos a nós mesmos.
● Um tempo para dar o que se recebeu. Os cinquenta anos da vida, essa idade da metade, é tempo em que as pessoas têm capacidade de oferecer os melhores frutos alcançados às gerações mais jovens e cuidar das gerações que envelheceram. Ensinar a viver e ajudar a envelhecer. Os que estão no meio da vida constituem uma geração ponte. Necessário redefinir seu papel como pais de filhos que pouco a pouco vão se tornando autônomos e como filhos de pais que precisam mais e mais de seu apoio de filhos.
● Um tempo para elaborar perdas e aprender a despedir-nos. Talvez esta seja uma das lições mais difíceis da vida: encontrar-se de frente com a morte e ir sentido que uma parte de nós mesmos, de nossa vida, de nossa gente... deixa de estar junto de nós. Há os que se afastam por divergência, conflito, enfermidade irreversível; há os que se foram porque morreram. Vive-se então a experiência da orfandade. Ao longo do processo de luto, as pessoas experimentam raiva, tristeza, vazio. Aos poucos vamos todos arrumando as perdas em nosso coração.
● Um tempo para caminhar humildemente com a mão na mão de Deus. O meio-dia da vida é um convite à revisão de nosso posicionamento com o mistério do Senhor, com tudo aquilo que vivemos na esfera da fé: nossa promessa de seguimento do Evangelho, nosso modo apaixonantemente pobre, nossa pureza de corpo e de coração, a atenção em ouvir sons da voz de Deus e acatá-los obediente. Há tempo, muito tempo, para ver até que ponto estamos sofrendo pelo fato de o Amor não ser amado. Talvez nesta altura da vida tomemos consciência de que onde terminam nossas possibilidades começam as de Deus. “Um bom augúrio para uma geração que desce do trem da auto-suficiência e da onipotência, ou das frustrações ou insatisfação por não ter conseguido aquilo que queria da vida, aí está Deus esperando para tomar a mão dessa geração e levá-la através de um tempo de crise, mudança e maturidade.”

Nota breve: Estas reflexões se inspiram fortemente no artigo La mitad de la vida, “Tesoros en vasijas de barro”, de Ana García-Mina Freire, publicado na revista espanhola Sal Terrae 98 (2010), p. 7-21. O artigo ajuda-nos a nos situar diante da segunda metade de nossa vida.

Frei Almir Ribeiro Guimarães

Visite o blog de frei Almir: http://www.franciscanos.org.br/v3/almir/

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